martes, 10 de diciembre de 2013

Composição em Tempo Real por João Fiadeiro

INTRODUÇÃO 

O método de Composição em Tempo Real tem sido desenvolvido e sistematizado por João Fiadeiro desde 1995. Num primeiro tempo teve como enquadramento a necessidade de se criar um sistema de composição que pudesse ser partilhado pelos seus colaboradores no processo criativo. Num segundo tempo afirmou-se enquanto instrumento para explorar modalidades de escrita dramatúrgica na área da dança, tendo sido estudado, desenvolvido e utilizado por diversos artistas e investigadores. Desde 2005 tem vido a afirmar-se no território da investigação, alargando assim a sua esfera de interesse e de aplicabilidade para fora das fronteiras da dança e mesmo da arte. 

O objectivo central do método de "Composição em Tempo Real" é colocar o executante na posição de "mediador" e "facilitador" dos acontecimentos, inibindo a sua tentação de se impor através da vontade ou capacidade de os manipular. O seu único "acto criativo", a haver algum, resume-se à mestria com que gere a tensão, equilíbrio e potencial do material com que está a trabalhar, deixando que as coisas, a terem que acontecer, aconteçam por si. 

CTR PT
SISTEMA OPERATIVO

O sistema operativo na base deste método, onde se retorna sempre, é extremamente simples: faz-se um quadrado no chão com um fita de papel. Convenciona-se que existe um “fora” e um “dentro”. Os participantes começam todos do lado “de fora” a olhar para o lado “de dentro”. O espaço “de dentro” funciona como um espaço-potência que, com o tempo, absorverá o espaço “de fora” (e vice-versa), anulando qualquer distinção entre os dois. Quando isso acontece, quando quem estiver fora “se sentir” no interior e quem estiver dentro “se sentir” no exterior, é porque a prática do método está a resultar.

Neste primeiro tempo, o espaço fica “em aberto” (a “marinar”), até que alguém toma a decisão de agir sobre ele, dando início ao jogo. A decisão de se agir tem que ser absolutamente voluntária. Só assim se pode assumir a responsabilidade dos gestos realizados. Ser-se responsável por aquilo que se faz é condição sine qua non para o sucesso deste trabalho. Não só para se reduzir as possibilidades de mal-entendidos ou impedir a manipulação dos dados, como para que o “feedback”, instrumento central para a incorporação dos conceitos, seja eficaz.

A primeira acção reduz as possibilidades, enquadra o possível e obriga todos os outros participantes a “largarem” as outras hipóteses de relação que entretanto desenvolveram nas suas mentes em forma de pequenos “hologramas”. Este “saber largar” é outra das actividades centrais neste processo, e condição necessária para se ser bem sucedido na prática deste método. Uma segunda pessoa, segundo os princípios e regras do método, age de seguida, interferindo com a primeira imagem e obrigando, mais uma vez, a que todos se “posicionem” perante o novo enquadramento proposto. Esta segunda acção “re-escreveu” entretanto a acção precedente, numa lógica que será constante nesta prática, promovendo assim uma percepção circular e não linear do tempo. Quando perante a nova situação a terceira pessoa avança e interfere com o espaço, estabelece-se um padrão que faz emergir uma “topologia” do lugar, que embora ténue já pode ser partilhada pelo grupo. Quanto mais cedo se partilhar este lugar comum, mais depressa se estabelece uma ideia de comunidade, um dos objectivos deste trabalho.

Resumindo: a primeira acção funcionou como um “evento”, a segunda propôs uma direcção e a terceira confirmou essa direcção. Eis os primeiros passos para se estabelecer as “condições iniciais” deste sistema. Ganhar uma sensibilidade colectiva a essas condições iniciais, num processo auto-organizativo e onde não existe nem líder nem guião, é o desafio desta prática e a única forma de se estabelecer um “linha de pensamento” simultaneamente aberta e estável. Para isso, importa não confundir “direcção” com “significado”. Embora ambos os termos usem a palavra “sentido” como substantivo, neste trabalho a única coisa que importa definir é a “direcção” que uma acção leva. A única coisa que importa é a coerência da estrutura e não a coerência do seu conteúdo. Exactamente para que o “significado” se possa manter em potência e ser deixado ao “outro”, ao que está do “lado de lá”, o ónus de se projectar naquilo que vê.
APRESENTAÇÃO

O “preferiria não o fazer” de Bartleby[1] preserva a “possibilidade suspensa entre ocorrência e não-ocorrência, entre a capacidade de ser e a capacidade de não ser”[2]. É aqui, neste estado intermédio, que se “joga” o futuro da nossa “presença”. É neste “entre” que se poderá, se tivermos sorte, reconhecer e capturar aquele pequeno fragmento de “acontecimento” que nos intriga e nos atrai, que chama a nossa atenção e que se irá desdobrar na direcção do futuro e do passado; e na direcção do interior e do exterior. Esse “fragmento” é a prova de uma ausência. Ou melhor, é a “presença” de uma ausência. E será a partir dessa "presença" que se poderão encontrar as pistas de que necessitamos para dar início à árdua tarefa de imaginar o mundo.

Mas como reconhecer e capturar esse fragmento, se “ele” aparece quando menos se espera e mal se “aguenta em pé” de tão volátil e transitório?

Sabemos que olhar para o mundo outra vez, como se se tratasse da primeira, é uma impossibilidade. Mas recorrendo à capacidade que temos de ficcionar o real (de forma a poder pensá-lo, como nos propõem Rancière[3]), é possível olharmos para nós próprios a olhar para o mundo pela primeira vez. E aí sim: através deste artifício, desse “como se”, podemos colocar-nos no “lugar do outro”, condição necessária para nos surpreendermos de novo.

Ficcionar é encontrar novas perguntas para as mesmas respostas de sempre. Mas para isso temos que ter um olhar divergente e aberto. Um olhar que não se intimide com as aparências e que não entre em “pânico” por não compreender de imediato aquilo que vê. Um olhar em potência portanto, capaz de ler nas “entre linhas” e de abrir portas (e janelas) para novas interpretações e relações com o mundo. Numa palavra: um olhar “criativo”.

A “criatividade”, tal como é entendida por este método, não é a propriedade de alguns iluminados. A “criatividade” treina-se. E a forma como abordamos esse treino, essa prática, é desviando o nosso foco do problema da decisão em si, dirigindo-o para o “ruído” instalado nos corpos, sob a forma de “hábitos”, “convicções” e “expectativas”. Esse “ruído”, quando em excesso, funciona como atrito e faz-nos perder tempo. Desactiva a capacidade de ler uma situação nova, tornando-se no principal obstáculo para que a “criatividade” se instale como sistema operativo das nossas decisões.

Para lidar com esse atrito, propomos que se desenvolva e estimule a capacidade que todos temos de pensar sobre o pensamento em si. Ou seja, que activemos um raciocínio meta-cognitivo. Paradoxalmente, veremos que será através dessa capacidade de nos olharmos de fora enquanto agimos (tal como somos capazes de pensar enquanto falamos), que encontraremos espaços livres para que a “criatividade” se afirme. E a razão é simples: em vez de nos preocuparmos com o que “aí vem” ou com o que deixámos para trás, perdemos tempo com as condições para que o acontecimento se dê. Perdemos tempo a ouvir os sinais: os sinais do tempo e os sinais do corpo. O resto virá por acréscimo.



acá se puede leer el MANIFIESTO AND_ Lab


[1] Em Herman Melville (1819–1891), O Escrivão Bartleby. Uma História de Wall Street.
[2] Giorgio Agamben no artigo “Bartleby, or On Contingency”, Potentialities: collected essays in philosophy (ed. e trad. Daniel Heller-Roazen), California, Stanford University Press ,1999.
[3] Cf. Jacques Rancière, Le Partage du Sensible, esthétique et politique, Paris, La fabrique édition, 2000, p. 61.


sábado, 7 de diciembre de 2013

EPISODIO I < fotos por Nacho Correa Belino

presentación en INJU / setiembre 2013
con Ale Galcerán, Vera Garat, Leticia Skrycky, Martín Molinaro, Lucía Naser